marina e campos 540x472 Morte de líder socialista devolve aos verdes a terceira via brasileira
Eduardo Campos e Marina Silva, uma chapa para as eleições presidenciais de outubro que deve recompor o Partido Socialista Brasileiro após a morte do candidato em um acidente aéreo. Foto: Agência Brasil/EBC

Rio de Janeiro, Brasil, 18/8/2014 – A morte de Eduardo Campos, candidato socialista à Presidência do Brasil, abre uma oportunidade inesperada para que a líder ambientalista Marina Silva volte com renovada força a lutar para governar o país, como uma terceira via em uma campanha muito polarizada. Marina, ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, conta com o capital eleitoral de ter conseguido 19,6 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010, 19,3% do total e de ter uma imagem vinculada à renovação da política brasileira.
Os sinuosos caminhos, povoados por tragédias, que a levaram à posição formalmente subalterna de candidata a vice-presidente na chapa de Campos, podem agora devolvê-la ao primeiro plano em condições mais favoráveis. Além de conservar grande parte do apoio popular conquistado em 2010, as pesquisas apontam que é a mais favorecida entre os líderes políticos pelos protestos registrados nas grandes cidades do país em junho e julho de 2013, contra a política tradicional.
A comoção nacional provocada pela morte de Eduardo Campos, em um acidente aéreo no dia 13, também ajudaria a dar novo empurrão a uma candidatura que busca romper o bipartidarismo brasileiro. A disputa pela Presidência, com eleição no dia 5 de outubro, se dá, segundo todas as pesquisas, entre os candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT), que governa o país desde 2003, e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que esteve no poder entre 1995 e 2002.
Marina Silva começou sua carreira política no pequeno Estado do Acre, na Amazônia, onde nasceu em 1958. Só se alfabetizou aos 16 anos, depois que deixou a floresta para cuidar de sua saúde, afetada por hepatite, malária e leishmaniose. A estreita colaboração com Chico Mendes, líder sindical dos seringueiros no Acre convertido em mártir do ambiente amazônico ao ser assassinado em 1988, impulsionou seus primeiros triunfos eleitorais.
Senadora desde 1994, estava entre os principais dirigentes do PT, que conquistou o poder com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Foi ministra do Meio Ambiente e renunciou em 2008, ao discordar da política de Lula no que qualificou como “crescimento material a qualquer custo”, em detrimento dos pobres e do ambiente.
Um ano depois deixou o PT e se filiou ao pequeno Partido Verde (PV) para disputar as eleições presidenciais de 2010, vencidas por Dilma Rousseff, do PT. Ficou em terceiro lugar, com um número surpreendente de votos. Depois também deixou o PV, refratário às suas propostas de mudanças, e tentou junto com colaboradores criar uma agrupação política de novo tipo, a Rede Sustentabilidade.
No entanto, a Justiça Eleitoral a rejeitou por insuficiência de assinaturas de eleitores no pedido de registro. Para não ser excluída da disputa, Marina se filiou ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), presidido por Campos, em uma aliança conjuntural que se traduziu na chapa com Campos para a presidência e ela para vice. Com a morte de Campos, Marina aparece como substituta natural, mas cabe ao PSB nomear seu novo candidato no prazo de dez dias, que termina no dia 23.
Renunciar a essa saída apresentaria o PSB como coadjuvante do bipartidarismo que governa o país há 20 anos, e o faria perder relevância em outros níveis do poder, como parlamentares e executivos estaduais. Nesse objetivo, Campos é “insubstituível”, reconheceu um parlamentar socialista. O dilema para o PSB é que aceitar Marina como candidata é outra espécie de suicídio, pela perda de identidade. São numerosas as discrepâncias entre a ambientalista e as políticas desenvolvidas pelo partido.
O PSB, que nomeou os ministros da Ciência e Tecnologia nos dois governos de Lula, favoreceu projetos de energia nuclear e sementes transgênicas, rechaçados pelos ambientalistas, incluindo Marina Silva. Campos foi um desses ministros, entre 2004 e 2005, e reforçou sua popularidade como governador de Pernambuco entre 2006 e começo de 2014, graças ao acelerado crescimento econômico e desenvolvimento industrial que conduziu em seu Estado, no nordeste, a região mais pobre do Brasil.
Megaprojetos, como o complexo industrial do Porto de Suape, a transposição do rio São Francisco para levar água ao interior semiárido do nordeste e a ferrovia Transnordestina foram decisivos para que Pernambuco tivesse o maior crescimento econômico entre os Estados brasileiros nos últimos anos.
São planos aos quais os ambientalistas contrapõem numerosas restrições e que compõem uma política desenvolvimentista que contradiz em muitos aspectos a sustentabilidade apregoada pela Rede, de Marina Silva. São projetos iniciados ou retomados na última década por Lula, de quem Campos foi importante e fiel aliado.  Seu PSB rompeu com o governo do PT e a presidente Dilma apenas no ano passado.
Campos, com popularidade acima dos 70% em seu Estado, apresentou-se como alternativa ao poder ocupado por trabalhistas e socialdemocratas. Mas preservava a administração de Lula e concentrava suas críticas na de Dilma Rousseff. Essa distinção pode obedecer a cálculos eleitorais, porque a popularidade de Lula segue alta, mas também tem a afinidade.
Campos foi herdeiro político de Miguel Arraes, seu avô e um mito da esquerda brasileira, que governou Pernambuco em três períodos e também foi aliado de Lula. Como o ex-presidente, foi um mestre do diálogo, da construção de alianças, inclusive entre contrários, aproximando-se tanto de empresários como de comunidades pobres, atendendo a forças do mercado e promovendo políticas sociais. Dilma perdeu apoio no empresariado por sua política econômica.
Campos teve que redobrar esforços para ganhar o apoio de grandes agricultores e pecuaristas, diante da rejeição desse setor à sua companheira de chapa, cujo ambientalismo é visto como um obstáculo para a expansão do agronegócio. Apesar de suas contradições, a união de Campos e Marina fortaleceu a terceira via nas eleições brasileiras. O desaparecimento do primeiro pode contrariar a aritmética e aumentar os votos dessa alternativa, já que ela começa com uma base eleitoral mais ampla e se beneficia do cansaço dos brasileiros diante da política tradicional.
Em julho, segundo a última pesquisa do Instituto Data Folha, Dilma tinha 36% das intenções de voto, Aécio Neves, do PSDB, 20% e o falecido Campos 8%.
Mas nestes dias se destacaram dois pontos fracos de Marina. Um é afastar os setores produtivos com seu discurso ecológico, e por fim, as doações para sua campanha. Outro é o fato de pertencer à Igreja Pentescostal, que lhe dá apoio entre os crescentes fiéis evangélicos, mas causa rejeição entre os da majoritária Igreja Católica. Em todo caso, analistas não descartam a possibilidade de segundo turno entre duas mulheres e ex-ministras de Lula. Porém, falta saber até onde chega a capacidade de renúncia dos dirigentes do PSB em relação aos seus ideários. Envolverde/IPS
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