No deserto de Atacama, norte do Chile, concentra-se a maior radiação do planeta e aí começou a ser construída a primeira usina termosolar da América Latina. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Santiago, Chile, 28 de julho de 2014 (Terramérica).- Com a primeira usina termossolar da América Latina, o Chile pretende pôr freio à sua crise energética, que ameaça elevar ainda mais os altos custos da eletricidade e inibe o crescimento dos investimentos, principalmente na mineração.
“Temos um problema estrutural, de a energia ser muito cara no Chile. Isso não representa um entrave para o crescimento econômico, mas prejudica os mais pobres”, disse ao Terramérica Álvaro Elizalde, ministro secretário-geral de Governo. Portanto, acrescentou, “temos que, simultaneamente, aumentar a oferta energética para reduzir os preços e promover energias renováveis não convencionais” (ERNC).
A usina de Concentração Solar de Potência de Cerro Dominador está nessa linha. A companhia espanhola Abengoa, que opera no Chile desde 1987, ganhou em janeiro a concessão pública para desenvolver uma usina solar de tecnologia de torre, com 110 megawatts de capacidade e 17,5 horas de armazenamento de energia térmica em sais fundidos.
O projeto, cuja construção foi iniciada em maio pela filial da empresa espanhola, a Abengoa Solar Chile, entrará em operação em 2017 e terá vida útil de geração de 30 anos. Seu custo será de US$ 1 bilhão, aos quais se somarão outros US$ 750 mil para construção de uma usina fotovoltaica que duplicará a potência gerada para 210 megawatts, segundo informaram ao Terramérica porta-vozes da empresa no Chile.
A Abengoa contará com subvenções diretas do governo chileno e da União Europeia, bem como financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do banco de desenvolvimento alemão KFW, do Fundo de Tecnologia Limpa e do Fundo Canadá para Iniciativas Locais. A usina será construída no município de María Elena, na região de Antofagasta, 1.340 quilômetros ao norte de Santiago, em pleno deserto de Atacama, o mais árido do planeta e onde o sol brilha quase todo o ano.
Para seu funcionamento a usina não utilizará painéis, mas uma série de 10.600 espelhos (heliostados) de 140 metros quadrados, que seguem o sol em dois eixos e refletirão sua luz e seu calor para uma única torre de 243 metros de altura, que lembrará a torre de Sauron, do filme O Senhor dos Anéis. Esse calor será transferido para sais fundidos a fim de produzir vapor e acionar a turbina de 110 megawatts.
Para conseguir uma produção contínua, a usina contará com um sistema de armazenamento térmico projetado pela companhia espanhola. Segundo a Abengoa, a usina será capaz de oferecer eletricidade limpa 24 horas por dia, algo fundamental em Antofagasta, onde a indústria da mineração, em constante expansão, já absorve 90% da geração para a produção basicamente de cobre.
Além disso, segundo porta-vozes da empresa, a usina evitará a emissão de 643 mil toneladas de dióxido de carbono por ano, equivalentes às emissões de 357 mil veículos circulando durante um ano. Também poderá suprir a totalidade do consumo residencial da região.
O professor Roberto Román, especialista em energias renováveis não convencionais da Universidade do Chile, afirmou ao Terramérica que são múltiplas as vantagens da tecnologia termossolar frente a outras ERNC, e em particular as fotovoltaicas. Román explicou que este tipo de usina “é capaz de gerar e acumular energia e, na prática, significa que pode operar as 24 horas do dia em grande parte do ano, somente com a energia do sol”.
Além disso, “sua geração pode ser combinada com outros combustíveis, como gás natural, para garantir 100% de acesso. Isso significa que é gerada a potência requerida segundo demanda do sistema no momento do requerimento”, acrescentou. “Se operar só com energia solar, tem zero emissões”, acrescentou Román, recordando que se trata de uma tecnologia em plena evolução e desenvolvimento, “havendo espaço para pesquisa, desenvolvimento e inovação”.
Representação gráfica de como será a usina de Concentração Solar de Potência de Cerro Dominador, que começará a operar em 2017 no município de María Elena, na região de Antofagasta, norte do Chile. Foto: Abengoa Chile
“É o que fez a Espanha nos últimos 20 anos e com o que sonho sejamos capazes de fazer aproveitando o maravilhoso sol que nos sobra. Com o recurso existente, sobra sol para abastecer vários chiles”, acrescentou Román. Este país, de 17,6 milhões de habitantes, conta com 18.278 megawatts de capacidade bruta instalada. Do total, 74% estão no Sistema Interligado Central, 25% no Sistema Interligado Norte Grande, e o restante em redes médias das regiões austrais de Aysén e Magalhães.
O Chile importa 97% dos hidrocarbonos que precisa e sua matriz energética é composta por 40% de hidroeletricidade e o restante de combustíveis fósseis e contaminantes das centrais termoelétricas. A carência de fontes energéticas coloca o preço de produção de um megawatt/hora entre os mais caros da América Latina, com custo superior a US$ 160. A mesma medida custa US$ 55 no Peru, US$ 40 na Colômbia e US$ 10 na Argentina.
Desde que assumiu seu segundo mandato, a presidente socialista Michelle Bachelet reitera seu compromisso com o desenvolvimento de ERNC (eólica, geotérmica, termossolar e solar fotovoltaica), para que 20% da eletricidade seja obtida de energias limpas até 2025. Nesse esquema, a luz solar parece ser o eixo do desenvolvimento energético para os próximos anos, como consta da Agenda Energética lançada por Bachelet em 15 de maio.
No mesmo mês, o governo aprovou 43 projetos de energias renováveis não convencionais, com participação de empresas locais e internacionais, todos no norte do Chile e em sua maioria fotovoltaicos. Juntos representam 2.261 megawatts ao ano, o que aumentaria em 12,3% o sistema de capacidade bruta instalada, quando estiverem em operação.
Román alertou que, no caso da energia termossolar, “há muitas coisas que ainda devem ser aprendidas, como o comportamento dos materiais e elementos no agressivo clima desértico e o quanto pode ser grave a questão do pó e da limpeza dos espelhos”. Isto somado a outros temas relevantes, como escassez de água no deserto, “fazem com que o custo de investimento supere de duas a quatro vezes a instalação de energia fotovoltaica”, acrescentou.
Entretanto, destacou Román, “se produz de duas a três vezes a quantidade de energia, portanto a diferença real em custo da energia não é tão grande. Por tudo isso, vejo essa tecnologia como uma opção fantástica. Deveríamos subir no carro da pesquisa e do desenvolvimento nessa área, naturalmente com colaboração estrangeira, e passarmos a ser relevantes no tocante ao desenvolvimento tecnológico”, concluiu. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)