O debate sobre o meio-ambiente foi um dos maiores derrotados neste ano apesar de possuir forte dimensão crítica na sociedade contemporânea
Encerradas as eleições é o momento de se fazer uma avaliação dos seus resultados para além da vitória ou derrota dos diferentes candidatos. Em um balanço assim, fica evidente que o debate sobre o meio-ambiente foi um dos maiores derrotados neste ano de 2014, ao menos para aqueles que acreditam que a problemática ambiental possui forte dimensão crítica da sociedade contemporânea.
Na verdade, no início do processo eleitoral parecia que as questões ambientais iriam para o centro da disputa. No plano nacional Marina Silva, liderança que fez sua trajetória política vinculada a essa problemática ganhava destaque e Eduardo Jorge, pelo Partido Verde, sem amarras de um candidato que concorre para vencer, tinha liberdade para tocar em pontos sensíveis, evitados pelos candidatos competitivos. No mais populoso e rico estado da federação, São Paulo, uma grave crise hídrica, que ainda deve perdurar, oferecia a oportunidade para que o meio-ambiente no Brasil aparecesse como realmente é, ou seja, como uma questão que diz respeito à vida cotidiana da maioria da população e não assunto de pequenos grupos.
No decorrer do processo eleitoral, talvez por sua própria dinâmica cada vez mais vinculada à linguagem publicitária, talvez pelo empobrecimento do contexto político atual, essa expectativa não se concretizou. Pelo contrário, o debate ambiental não apenas se esvaziou como regrediu quase a ponto de negar a sua própria legitimidade social. Marina Silva que historicamente se vinculara às lutas dos chamados “povos da floresta” e mantivera claro compromisso com a convergência da justiça social e da proteção ao meio ambiente adotou um discurso ambíguo e acomodatício, como se fosse possível discutir o meio ambiente sem confrontar ideias e interesses solidamente instalados na vida nacional. É o caso do agronegócio ou das grandes obras de infraestrutura tão importantes para a economia do país, mas que ainda causam fortes impactos sociais e ambientais. No limite, todo um modelo de sociedade e desenvolvimento poderia ser repensado e, com isso, se vislumbrar ações e caminhos transformadores.
Mas no caso de Marina Silva foi ainda pior. Ao se alinhar às propostas econômicas de orientação neoliberal e a personalidades do mundo dos negócios a candidata deslocou o debate ambiental para a direita, aumentando a histórica e anacrônica desconfiança que a problemática enfrenta em partidos de esquerda e movimentos sociais. Ou seja, meio-ambiente e capitalismo verde pareceram se equivaler no fim das contas. Eduardo Jorge, por sua vez, não enfatizou as questões ambientais e ganhou notoriedade por sua defesa da descriminalização das drogas.
No segundo turno das eleições presidenciais a problemática ambiental teria sido esquecida completamente se a crise de água não tivesse se agravado em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Mesmo assim o breve debate reproduziu a simplicidade que caracterizou a disputa estadual, quando questões centrais, como o avanço descontrolado da mancha urbana em terras paulistas ou os graves problemas de coleta e tratamento de esgoto, foram esquecidas. Por um lado, o candidato do governo estadual e seus aliados sugeriam que responsabilidade pela crise era da natureza ou resultado da negligência dos consumidores residenciais paulistas. Por outro lado os candidatos oposicionistas pareciam enfatizar a falta de obras de engenharia. Não parece exagero afirmar que nada se avançou na consciência pública depois de fechadas as urnas.
Sendo assim, os próximos anos serão de grande desafio para que a agenda ambiental retorne ao centro dos debates nacionais com todo seu potencial questionador e transformador. Para tanto cabe à universidade um lugar estratégico, pois é a instituição capaz de apresentar e qualificar os termos em que esse debate será feito. Trata-se de evitar tanto um debate ambiental nos marcos estabelecidos pela agenda do capitalismo verde, como um reducionismo socioeconômico que ainda predomina na sociedade e nos próprios partidos de esquerda.
* Janes Jorge é professor de História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Paulo Henrique Martinez é professor de História da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)
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