Puntarenas, Costa Rica, 30 de junho de 2014 (Terramérica).- O biólogo Juan Sánchez dirige seu veículo todo terreno por um caminho de terra no sudeste da Costa Rica, à frente de outro carro semelhante. Funcionários e técnicos vão inspecionar uma fazenda cujo proprietário arrasou um mangue. Sánchez é técnico do Tribunal Ambiental Administrativo (TAA), que tramita e sanciona os danos ao ambiente costarriquenho.
Durante a inspeção no mangue que fica 280 quilômetros a sudeste de San José, Sánchez disse ao Terramérica que se “dedica a perseguir os maus”: empresas e particulares que prejudicam a natureza deste país centro-americano de 4,5 milhões de pessoas. Criado em 1995 e com um pessoal mais do que escasso, o TAA é um dos principais mecanismos costarriquenhos contra as agressões ao ecossistema e está vinculado ao Ministério de Ambiente e Energia (Minae), e não ao Poder Judiciário. Conta com apenas 20 funcionários para sua tarefa de aplicar justiça verde.
“Temos tido êxito relativo nesta justiça administrativa ambiental”, contou ao Terramérica o presidente do TAA, juiz José Lino Chaves. Para ele, “a mudança de linguagem e de ações feita pelo tribunal a partir de 2008 conseguiu dar uma voz de alerta aos costarriquenhos de que estávamos fazendo algo muito ruim e que cuidar do ambiente é prioridade” para o país.
A Costa Rica tem um quarto de seu território sob alguma forma de proteção ambiental, 53% de áreas florestais com quase 4% da biodiversidade mundial. Muito a ser atendido em uma nação que promove a natureza como seu principal atrativo e um ativo diante da mudança climática. A atuação do TAA é complementada pela Promotoria Agrária Ambiental do Ministério Público, que também sofre com falta de pessoal.
“Recordo que um estudo, realizado no começo da década de 1990, dizia que 98% das denúncias de crimes ambientais acabavam em falta de mérito”, detalhou ao Terramérica o ex-ministro de Ambiente, Carlos Manuel Rodríguez. Então, “o sistema judicial formal não conseguia desenvolver uma tarefa eficiente e os acusados, segundo o estudo, eram absolvidos porque não se podia estabelecer uma responsabilidade objetiva”, acrescentou o também advogado ambiental e atual vice-presidente da organização não governamental Conservation International.
“Não duvido da intenção das pessoas” do Tribunal, disse ao Terramérica o legislador e advogado ambientalista Edgardo Araya, que ganhou a batalha legal contra o projeto de mineração Crucitas junto ao Tribunal Contencioso Administrativo. “Mas o TAA não é viável como está, sem recursos nem juízes”, ressaltou.
Álvaro Sagot, outro advogado ambientalista que venceu outra causa, esta perante o TAA, contra a gigante leiteira Dos Pinos, por contaminação, concorda com a crítica à falta de recursos, mas também destacou ao Terramérica o valor da acessibilidade do tribunal, onde qualquer pessoa sem conhecimento legal pode denunciar.
Além disso, os denunciantes podem recorrer à justiça ordinária. Mas o ex-ministro Rodríguez (2002-2006) assegura que a via penal não serve, por falta de conscientização. “Recordo conversar com juízes que liberavam caçadores que eram detidos em parques nacionais porque não consideravam isso crime”, afirmou.
Uma das resoluções de maior repercussão do TAA foi a que em setembro de 2009 obrigou o navio Tiuna, de bandeira panamenha, a pagar indenização de US$ 668 mil por pescar atum em áreas protegidas. Após avaliar o carregamento de 280 toneladas pescadas no Parque Nacional Isla del Coco, na costa ocidental do Oceano Pacífico, o tribunal estabeleceu o valor da multa.
A Costa Rica busca construir uma reputação internacional como “país verde”. Durante anos seu lema foi “sem ingredientes artificiais” e em 2007 o governo da época apresentou a iniciativa “paz com a natureza”, para reafirmar o compromisso costarriquenho.
Mas os casos vão sendo empilhados nos escritórios do TAA e o próprio Chaves reconhece que a conscientização ambiental é um caminho complexo. Neste mês se acumulavam no Tribunal um total de 3.600 expedientes abertos, mais que o triplo de uma década atrás. Conta para isso com apenas seis advogados e três juízes ambientais, dois deles advogados e outro engenheiro.
Sobre os três juízes recai a tarefa de visitar cada área afetada para conhecer de perto o dano ambiental e poder decidir. Nessas viagens de campo, juízes e biólogos atuam uniformizados. Calçam botas de montanha, se protegem do sol com chonetes (chapéus camponeses de algodão) e levam um facão na cintura. Além das inspeções em casos específicos, o TAA realiza “varreduras ambientais”, como chamam internamente as viagens de inspeção de vários dias, porque com elas tentam limpar o território de danos ecológicos.
Com esse método o tribunal já fechou 200 projetos imobiliários na costa do Pacífico e 40 na do Atlântico, desde que começaram essas varreduras em 2008, explicou seu presidente. Mas “os maus” não se rendem. Dias depois da viagem de inspeção do biólogo Sánchez, outro grupo de advogados, técnicos e juízes se deslocou ao mangue de Puntarenas, no Pacífico Central, 80 quilômetros a leste da capital, para investigar outra denúncia.
O cenário era devastador: cinzas em um terreno de 25 hectares de mangue, arrasado por invasores que já estavam começando a cultivar milho e cana-de-açúcar. “Aqui eles vão indo, e se deixarmos acabam com toda a área. Incendeiam o mangue e vão usando essas terras para agricultura”, disse o biólogo florestal Alexis Madrigal, que também coordena o departamento técnico do tribunal.
Enquanto membros da equipe técnica removiam sacos plásticos que os invasores usam para marcar suas novas terras, Chaves e as duas advogadas que o acompanhavam avaliavam os próximos passos. O primeiro é uma medida cautelar que paralise a invasão, e depois pode ser proibido o uso agrícola da terra ou ordenada uma indenização, ou as duas coisas.
O TAA serviu de inspiração para a criação de três Tribunais Ambientais no Chile, cujos promotores compartilharam com Chaves a experiência costarriquenha. Os dois sistemas têm semelhanças: possuem três juízes, dos quais um deve ser científico, e contam com ampla autonomia e sobre eles recai punir o dano ambiental. O Peru avança com uma iniciativa semelhante.
O principal desafio do TAA é aumentar seu pessoal, tanto de técnicos no terreno quanto de advogados em sua sede de San José, para que não aconteça como agora, de cada integrante da equipe legal ter a seu cargo 600 processos, algo, difícil de manejar. Também é necessária estabilidade. Entre 2012 e 2014, Chaves foi vice-ministro de Águas e Mares no Minae, onde conseguiu melhorias orçamentárias para o Tribunal, mas suas tarefas, particularmente as varreduras, diminuíram.
Em julho, após ano e meio de inspeções menos ambiciosas, o TAA realizará uma da qual também participarão o Minae, instituições como a Secretaria Técnica Nacional Ambiental, o Instituto de Água e Esgoto e a Força Pública. Eles irão à zona norte do país, onde a expansão agrícola ameaça a biodiversidade e a água para consumo humano. Em seu escritório em San José, o juiz Chaves sorriu e afirmou: “Voltaram as varreduras ambientais”. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)
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