Um dos desafios do jornalismo ambiental é mostrar que o meio ambiente é um assunto presente no dia a dia das pessoas, defende nesta entrevista o jornalista Rodrigo Lopes, atualmente editor de capa do jornal Zero Hora de Porto Alegre (RS) e professor de jornalismo investigativo da UniRitter. Pós-graduado em jornalismo literário e especializado em jornalismo ambiental pelo International Institute for Journalism, de Berlim (Alemanha), Lopes tem em seu currículo diversas coberturas internacionais, entre elas a destruição causada pelo furacão Katrina em New Orleans. Também editou por dois anos o extinto caderno Ambiente.
Como é feita a cobertura de notícias ambientais no jornal Zero Hora?
Rodrigo Lopes – A gente teve vários espaços nobres para o jornalismo ambiental na Zero Hora, desde o final dos anos 70, quando a cobertura começou a ficar mais forte no Rio Grande do Sul, berço de movimentos importantes na área ambiental, como a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) criada pelo Lutzenberger. No início dos anos 2000, criamos o caderno Ambiente onde fui editor, por dois anos, voltado mais para questões práticas do consumidor e do leitor. Falava-se muito naquela época em separação do lixo, as pessoas geralmente não sabiam separar o lixo e até hoje não sabem muito bem, mas na época se vivia muito está situação. Criamos esse caderno com oito páginas tentando trazer as notícias ambientais para o dia a dia das pessoas. Após dois anos, acabou por falta de patrocinador. É incrível falar disso, que acabou por falta de patrocínio, porque existe um lobby verde das empresas querendo se mostrar como ecologicamente corretas, então elas querem patrocinar coisas ambientais para dizer que respeitam o meio ambiente, existe muito interesse comercial, tem também muito interesse jornalístico, mas a gente não consegue no jornalismo diário fazer uma cobertura bacana com o espaço que o assunto merece. Têm algumas questões pontuais, como a extração ilegal de areia no Jacuí ou no Guaíba, quando tu tens uma investigação ou uma denúncia, ai ganha espaço. Mas no dia a dia o jornalismo ambiental no Rio Grande do Sul não é bem feito.
Na Zero Hora, os assuntos ambientais tem espaço normal ou geralmente ocupam espaços periféricos?
Rodrigo Lopes – No jornal Zero Hora e na grande imprensa não é dado o espaço devido, só em questões pontais como no Dia Mundial do Meio Ambiente. Não é um assunto que a imprensa trate da forma que o tema mereça. O espaço é reduzido, é um espaço que é menor em detrimento de outros assuntos.
Às vezes ficam até engavetadas?
Rodrigo Lopes – Exato, porque às vezes não tem um grande apelo.
Há preconceito com jornalistas que simpatizam com temas ecológicos?
Rodrigo Lopes – Não tem preconceito em relação ao jornalismo ambiental, até porque tem alguns jornalistas que gostam de cobrir essa área e estão em busca de espaço. Talvez por parte de algum editor até possa ser menosprezado “ah não, esse é ecochato”, às vezes também tem coisas mais importantes, então o assunto é tratado não com a devida atenção que merece. O jornalista que gosta desse assunto acaba não tendo seu espaço. Têm vários colegas que gostariam de fazer uma coluna, um blog etc., mas existe toda uma estrutura de uma redação que não privilegia o assunto jornalismo ambiental e ele acaba sendo menosprezado.
Nas reuniões de pauta do jornal Zero Hora, qual é a frequência que você vê sugestões sobre temas ambientais?
Rodrigo Lopes – Com frequência são levados alguns assuntos para a reunião de pauta, mas como não tem um grande apelo acabam não se traduzindo em grandes reportagens. Outros assuntos são privilegiados, a não ser em datas específicas como o Dia Mundial do Meio Ambiente, como já comentei, ou alguma investigação maior que esteja sendo feita, por exemplo, extração de areia ou alguma operação do batalhão ambiental, mas como eu te disse não há uma regularidade tão intensa.
Como foi a experiência de cobrir tragédias ambientais e naturais?
Rodrigo Lopes – Aqui no Rio Grande do Sul eu cobri alguns alagamentos na região da campanha, eu acabei fazendo uma reportagem para a RBS TV que se chamava “Rio Grande de extremos”, onde mostrava como o Rio Grande do Sul estava sendo afetado pelas mudanças climáticas. Eu utilizei os quatro elementos: terra, fogo, água e Ar. No ar, por exemplo, eu abordei o furacão Catarina (que assolou Torres no final de março de 2004) e também os tornados que estavam atingindo o Rio Grande do Sul. Na água tratei das inundações. No fogo, as queimadas, que por sinal são um grande problema ambiental no estado, pois tem uma tradição na serra de utilizar muito a queimada para revigorar o solo, e algumas vezes se perde o controle e acaba incendiando matas. No elemento terra eu falei sobre o desmatamento, uso do eucalipto que é bem polêmico, e também a desertificação de algumas regiões.
Sobre as catástrofes naturais, eu costumo dizer que tem dois tipos de cobertura de guerra, uma produzida pelo homem e a outra pela natureza. Pelo homem é sempre no sentido do homem contra o próprio homem, envolvendo poder. No caso da natureza é uma cobrança do que o homem causou.
Quando eu cobri os impactos do furacão Katrina em New Orleans eu era muito jovem, tinha uns 25 anos. Foi uma das minhas primeiras viagens em que fui obrigado a ficar sozinho na cobertura. Com um carro alugado, fui de Houston no Texas pela Interstate Ten, que é a rodovia que corta todo o Sul dos Estados Unidos. Eu dormi duas noites dentro do carro. A cidade estava 80% de baixo d’água, porque o furacão entrou e destruiu os diques e as águas do lago Pontchartrain invadiram a cidade. Quando conseguir chegar no centro tive várias experiências, por exemplo, tinha uma brasileira tetraplégica que eu não consegui chegar até onde ela morava, ela já estava morta e eu só pude avisar as equipes de resgate, eu fazia pequenas incursões, eu ia até New Orleans e como não tinha luz, água, comida, hotel e internet, eu ficava seis horas apurando informações e saia até uma cidade onde tinha uma estrutura para dormir.
Já na cobertura do terremoto no Peru, que aconteceu na cidade de Pisco, onde há uma população muito pobre, casas feitas de adobe, que é feita de barro com água, foi onde eu vi pela primeira vez uma destruição total. Você se sente minúsculo perante o poder da natureza.
No resgate dos mineiros no Chile, você foi acompanhado pelo vencedor do concurso Primeira Pauta. Como foi trabalhar com um estudante?
Rodrigo Lopes – Foi muito legal. O Álvaro Andrade, que hoje é repórter da Rádio Gaúcha, ganhou o concurso e o prêmio era acompanhar uma grande reportagem. Ele foi comigo cobrir o resgate dos 33 mineiros no Chile, que ficaram mais de 60 dias embaixo da terra. A gente se conheceu uma semana antes, ele gostava de aventura e esportes radicais, já eu não sabia nem montar uma barraca e ele tinha todos os equipamentos, logo quando chegamos lá na mina São José no meio do deserto do Atacama enquanto eu procurava sinal de internet, ele ia montando a barraca. Foi uma parceria muito legal, foi uma questão de sobrevivência porque estávamos no meio do deserto, tínhamos que levar água, pois não tinha aonde comprar. Teve um dia que eu estava sem dormir mais de 24 horas e entreguei a ele a responsabilidade de fazer os boletins na Rádio Gaúcha. Foi uma oportunidade para ele e também uma mostra de confiança da minha parte.
Nessas coberturas internacionais que você já fez, Líbano, Vaticano, Chile entre outras, nunca surgiu tempo para apurar uma pauta ambiental?
Rodrigo Lopes – Não dá tempo de pensar, é uma viagem muito focada naquilo que está acontecendo, é uma cobertura normalmente multimídia, que exige você entrar várias vezes no mesmo dia no rádio e na TV, escrever para o jornal e ainda manter a cobertura em tempo real da internet, com isso não propicia que você fique mais tempo para cobrir outros assuntos.
Como a mídia pode envolver os mais pobres nas discussões socioambientais?
Rodrigo Lopes – O desafio é tentar mostrar para o leitor das comunidades que a gestão ambiental é um assunto do dia-a-dia deles, que não é um assunto só da mídia ou das grandes conferências internacionais sobre o clima, que é um assunto deles, que o lixo que eles jogam na rua acaba no bueiro que entope o arroio, este é o nosso desafio. A gente já passou da fase de ensinar a separar o lixo. Temos que formar a consciência de que pequenos atos mudam tudo, por exemplo, a gordura que se despeja na pia pode ir para o esgoto pluvial e vai resultar em tal dano. O jornalista tem que mostrar para comunidade que pequenas ações têm grandes impactos.
Raramente há espaço para análises, investigação, interpretação e apresentação de novos caminhos nas matérias ambientais. Você acha que os jornalistas precisam mergulhar mais nesse processo de produção das matérias ambientais?
Rodrigo Lopes – Eu acho que o jornalismo só de informação está fadado a morrer. O jornalismo do futuro vai ser o de análise e interpretação, mergulhar nos fatos, usar números, usar dados, traçar estatísticas. O resto é jornalismo fast-food, este que vemos no Facebook. E já tem gente que acha que o Google é um veículo de comunicação ou uma empresa de jornalismo. Ele pode até facilitar a comunicação, mas ele é uma ferramenta, ele não tem pessoas por trás, fazendo investigação ou fazendo uma reportagem. O futuro caminha para se diferenciar do breaking news do jornalismo mais superficial. Aquele que apostar no jornalismo mais interpretativo vai acabar se dando bem porque o leitor está carente de profundidade, embora às vezes a gente ache que as pessoas só querem ler as noticiazinhas do Facebook. Em geral até pode ser, as pessoas dizem que os brasileiros não leem. As pessoas não leem textos ruins. Se o texto é bom as pessoas irão ler, não importa o tamanho. E para o estudante escrever bem, precisa ler muito e é cada vez mais difícil fazer isso neste mundo de interconexão, você fica muito tempo no computador, liga o rádio, vê TV, lê o jornal, são muitos veículos disputando a sua atenção. Parar tudo e pegar um livro para ler até parece uma coisa do século 18. Só que não existe uma fórmula de aprender a escrever bem sem ler coisas boas.
O lead é o que prende o leitor?
Rodrigo Lopes – Sim, o lead é o que vai fisgar o leitor. Se você lê o lead e o lead está bom você vai adiante, mas se o lead não é bom o cara não vai ler tudo, tem diferentes níveis de leituras, às vezes você tem que ficar satisfeito só com um leadizinho. Em outras, você só vai ficar satisfeito com uma matéria de 19 páginas, como foi o caso da matéria “Os Filhos da Rua” da Letícia Duarte, porque 19 páginas num momento que as pessoas falam que o jornal está acabando, que o papel é caro, que as pessoas não leem mais, porém as pessoas leram e gostaram e o papel é um documento. Todo mundo fala que têm meninos de rua, que normalmente são usuários de crack, que isso é uma chaga social. A reportagem mostrou como não é apenas uma chaga social quando isso acontece, mas principalmente a falência das estruturas do Estado. Aquele menino já tinha passado pelo Conselho Tutelar, tinha problemas na escola e na família. Isso mostra a falência de vários setores, por isso só com uma grande reportagem de profundidade você consegue mostrar que não é uma coisa isolada. Este caso representa muitos outros.
O papel do jornalista é conscientizar as pessoas ou apenas levar a informação ao leitor?
Rodrigo Lopes – É conscientizar. Eu não acredito no jornalismo dissociado do papel social. O jornalista tem o papel social como educador, formação de opinião, como fortalecedor da democracia, e ai entra a questão ambiental, não adianta você apenas denunciar o que está acontecendo, você precisa dar todo um contexto. Por exemplo, no caso da extração de areia do Jacuí é preciso mostrar também quais os elos econômicos que levavam à extração ilegal da areia. São dois caminhos, um é formar pessoas e comunidades. O segundo é mostrar análises e informar melhor.
* Publicado originalmente no site Jornalismo Ambiental.
(Jornalismo Ambiental)
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