por Fernando Caulyt, da Deutsche Welle
Floresta possui função importante de levar chuvas a outras regiões do continente. No entanto, cientistas são cautelosos com associação entre redução da mata e a pior estiagem em 80 anos no Sudeste
O Sudeste passa pela pior seca dos últimos 80 anos, com mais 130 municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais afetados. Um relatório recente, apoiado pela ONG WWF Brasil, apontou o desmatamento na Amazônia como uma possível causa para o fenômeno – e a conseguinte crise da água. Especialistas ouvidos pela DW, porém, dizem que os motivos vão além.
Ainda não há um estudo científico que comprove a relação direta entre desmatamento e seca. E estudiosos são céticos em fazer essa ligação, sobretudo porque a queda na precipitação em 2014 está fora da proporção na comparação com o aumento da área desmatada no último ano – em 2013 ela atingiu um total de 763 quilômetros quadrados.
Apesar de pesquisadores concordarem sobre a importância da Amazônia na regulação do clima para todo o país, a contribuição do desmatamento para a atual seca é controversa.
Devido à capacidade das árvores de absorver água do solo, a floresta amazônica possui um importante papel para a regulação do clima na América do Sul. Ela libera umidade para atmosfera, mantendo o ar em movimento e levando chuvas para o continente.
A umidade é exportada para regiões distantes pelos chamados “rios voadores” – sistemas aéreos de vapor – irrigando áreas no Sul, Sudeste, Centro-Oeste do Brasil, além de Bolívia, Paraguai e Argentina.
Esse papel já foi comprovado por diversos estudos. E foi reforçado por um relatório que reuniu artigos sobre o potencial climático da floresta divulgado no final de outubro pela Articulação Regional Amazônica (ARA), como o apoio da WWF Brasil.
O documento, porém, vai além. E aponta que o desmatamento na região pode ter um impacto significativo sobre o clima próximo e também distante da Amazônia, ao reduzir a transpiração da floresta e modificar a dinâmica de nuvens e chuvas no continente.
“Não posso colocar toda a culpa na Amazônia, mas há uma combinação de efeitos, e o desmatamento é em parte responsável. Há também uma oscilação natural e as mudanças climáticas provocadas pelos homens”, afirma Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da WWF.
Maretti diz que os efeitos do aquecimento global pioram com o desmatamento na região, que aumenta as emissões de CO2 na atmosfera.
Para Pedro Telles, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, a destruição da floresta é um dos fatores que contribuiu para causar a atual seca, mas não é o principal. “O principal fator da crise da água em São Paulo é a má gestão. Há anos já se sabia que o Sistema Cantareira tinha limitações e possivelmente chegaria a uma situação de crise e esgotamento. Há problemas na distribuição da água, o desperdício nessa etapa ultrapassa 30%, além da pouca preservação da área de manancial. Mas esses fatores nunca foram tratados adequadamente”, afirma Telles.
O biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também é ponderado ao relacionar a seca ao desmatamento. Ele afirma que pode haver uma relação entre os dois, devido ao papel climático da floresta, mas evita apontá-lo como a causa principal. “Não temos dados para explicar uma queda de precipitação tão drástica somente por esse efeito. A queda na precipitação no corrente ano está muito fora da proporção em relação ao aumento da área desmatada de 2013 para 2014″, completa Fearnside.
Entre a comunidade científica é quase unânime a importância da Amazônia para as chuvas no continente. No entanto, há divergências sobre sua relação com a estiagem.
“Não dá para dizer que o desmatamento da Amazônia é responsável pela estiagem no Sudeste, porque não existe nenhum estudo científico que comprove essa relação direta”, afirma o meteorologista Gilvan Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O meteorologista da USP Tercio Ambrizzi é da mesma opinião. “É muito difícil associar a atual seca com o desmatamento. Ele causa impacto, mas numa variabilidade de mais longo prazo e contribui para as mudanças climáticas”, reforça.
Sampaio lembra que a seca foi causada pelo predomínio de uma intensa massa de ar seco sobre o estado de São Paulo durante o verão, que bloqueou as frentes frias vindas do sul trazendo as chuvas.
Além disso, as mudanças climáticas podem estar contribuindo para a situação atual. “A seca pode ser caracterizada com um desses extremos e pode ser já uma resposta às mudanças climáticas, mas não ocorre somente por isso”, completa Ambrizzi.
Com chuvas abaixo da média, o volume de água em importantes rios e represas do Sudeste, como o rio Paraíba do Sul, a nascente do São Francisco e o Sistema Cantareira, diminuiu drasticamente. O abastecimento hídrico em várias cidades está comprometido.
A estiagem também contribuiu para aumentar o número de incêndios florestais no Sudeste. Entre em janeiro e novembro deste ano, os focos de incêndios aumentaram 275% no Rio de Janeiro, 150% em São Paulo e 135% em Minas Gerais, em relação ao mesmo período de 2013.
* Publicado originalmente pela Deutsche Welle e retirado do site Carta Capital.
(Carta Capital)
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