1 A permacultura pronta para conquistar o Caribe
Erle Rahaman-Noronha colhe a produção de seu estabelecimento agrícola. Foto: Mark Olalde/IPS

Port of Spain, Trinidad e Tobago, 26/5/2014 – Erle Rahaman-Noronha não é um revolucionário, ao menos no sentido radical. Na realidade, é apenas um homem com uma pá, uma propriedade e um grande sonho que está destinado a conquistar o Caribe. Esse homem dedicado à permacultura (apócope de agricultura permanente) deseja que esse sistema de cultiva crie raízes e se propague pela região e faz tudo o que pode para conseguir isso.
Ele fala para toda pessoa que deseja ouvi-lo sobre os benefícios desse modelo que se estende além da agricultura. Junto a ele há um grande número de permacultores que trabalham em suas respectivas ilhas e compartilham o mesmo objetivo: aproveitar esse modelo como solução para a mudança climática, a insegurança alimentar, a escassez de água e o elevado custo de vida.
“Esta é minha Bíblia”, disse Rahaman-Noronha à IPS, colocando um livro sobre a mesa. Por trás dele, as laranjas ao vento e o forte aroma da comida trinitina, que escapa pela janela aberta até um macaco-prego que com sua cara branca solta um grito. O livro, em cuja capa se lê Permacultura, Manual para Projetistas, oferece soluções incrivelmente simples para resolver problemas atuais mediante uma forma de vida econômica e sustentável.
Seu autor, o australiano Bill Mollison, foi quem primeiro cunhou o termo, há quase quatro décadas. Desde então, a ideia se propagou para a Europa e os Estados Unidos. Agora se começa a adotar a filosofia da permacultura no Caribe em desenvolvimento, especialmente após a crise global que começou em 2008.
Nascido no Quênia, Rahaman-Noronha pôde satisfazer seu especial interesse pelo ambiente estudando bioquímica aplicada e zoologia no Canadá. “Sempre me apaixonou a natureza e a conservação, mas só com isso não se faz dinheiro”, disse entre risos. “A permacultura me permite viver, produzir alimentos, gerar renda e me dedicar à conservação”, destacou.
Seu estabelecimento Wa Samaki (“do peixe”, em swahili) é seu local de trabalho, sua sala de aula, sua loja e seu lar desde que regressou a Trinidad, em 1998. A fazenda, com mais de 12 hectares, fica nessa central localidade de Trinidad e Tobago. Embora não use fertilizantes nem herbicidas ou pesticidas, Rahaman-Noronha consegue viver da venda de frutas, flores, madeira e pescado. Sua última aquisição é uma grande aquaponia, um sistema simbiótico de produção de plantas e peixes.
Junto ao seu companheiro John Stollmeyer, Rahaman-Noronha promove a permacultura no Caribe, onde vivem cerca de 40 milhões de pessoas, particularmente vulneráveis à mudança climática. Os dois são consultores de empresas locais, dão cursos sobre projetos de permacultura e realizam painéis em diferentes partes, de Porto Rico a Santa Lucia. “Como vamos criar uma cultura humana sustentável?”, perguntou Stollmeyer. “Descobrir a permacultura foi para mim um achado”, ressaltou.
A necessidade de conservação é em grande parte consequência da mudança climática, especialmente porque a região de furacões cobre quase todo o Caribe. E mais, Trinidad e Tobago continua sendo um grande exportador e consumidor de combustíveis fósseis. Em 2012, produziu mais de 119 mil barris (de 159 litros) de petróleo por dia e 1,4 bilhão de pés cúbicos de gás natural, enquanto continua sendo o maior emissor de dióxido de carbono por habitante do mundo, mais do que o dobro dos Estados Unidos.
Dados de 2005 da Organização das Nações Unidas (ONU), as últimas estatísticas disponíveis, mostram que na América Latina e no Caribe a agricultura industrial responde por 20% das emissões de gases-estufa. Assim, o objetivo de Rahaman-Noronha é se tornar um incubador de novas empresas de conservação que não podem conseguir empréstimos bancários. Atualmente, aluga um espaço de seu terreno a um preço módico para apicultores e um centro de resgate de animais selvagens, e espera abrigar mais iniciativas semelhantes.
2 A permacultura pronta para conquistar o Caribe
Berber van Beek estuda a geologia de Curaçau. Foto: Mark Olalde/IPS
Uma das pessoas inovadoras que passou por Wa Samaki foi Berber van Breek, originária de Curaçau, que regressou ao Caribe após rodar pelo mundo. Esteve na Europa e Austrália, onde praticou permacultura, mas, para aplicar seus conhecimentos num clima tropical, teve de recorrer a Rahaman-Noronha. “Me deu muita liberdade em sua propriedade para criar meu projeto”, contou Van Beek se referindo às bananeiras que plantou em Wa Samaki.
Em Curaçau, Van Beek usa a permacultura para algo mais do que produzir alimentos. Ela percebeu seu potencial social e trabalha para criar um programa extracurricular para jovens em situação de risco e usar a horticultura para ensinar-lhes responsabilidade e respeito pela natureza, que surgem quando se cuida de sua própria horta. Além disso, logo começará a dar aulas de agricultura orgânica em grande escala.
Iniciativas como essas são muito necessárias em Curaçau, cuja economia está parada e onde 37% dos jovens estão desempregados. Os variantes mercados e padrões climáticos têm grandes consequências em seu país, que importa quase tudo o que consome, segundo Van Beek. “Ao ir ao supermercado, veja de onde vêm os produtos. Da Venezuela, dos Estados Unidos ou da Europa? As pessoas poderiam ter maior consciência do que comprar e do que não comprar”, afirmou.
Mas, o problema é regional, afirmam especialistas. De acordo com a Associação de Exportadores de Alimentos do Meio-Oeste dos Estados Unidos, cerca de 80% dos alimentos consumidos no Caribe são importados.
O bom e o propósito da permacultura é que se trata de um sistema de soluções que podem ser postas em prática em qualquer nível como forma de lutar contra os problemas ambientais. “Pode começar em seu jardim, sem custos. Algumas coisas podem ser implantadas em seu apartamento, se for necessário”, disse Rahaman-Noronha. “Se tem uma varanda ensolarada, pode plantar algo ali e começar a pensar na permacultura”, acrescentou.
3 A permacultura pronta para conquistar o Caribe
Sistema fechado de aquaponia de Erle Rahaman-Noronha. Foto: Mark Olalde/IPS
Naturalmente, Van Beek leva a sério o que diz e tem uma horta que possui um sistema de permacultura perfeitamente acondicionado em seu pequeno jardim. Usa as folhas mortas como fertilizante e recicla a água da chuva e do chuveiro para irrigar as plantas. “Ver para crer”, afirmou. É seu mantra, que utiliza para descrever seu enfoque na promoção da permacultura e que vocaliza quando necessita de energia para insistir e convencer outras pessoas de que esse é o caminho correto.
Rahaman-Noronha também se esforça para converter os não crentes. Desde as escolas que visitam no centro de fauna silvestre até as milhares que foram à sua fazenda para a conferência que deu para a organização TED, dedicada a promover palestras e conferências sobre ideias inovadoras, e que foi transmitida pela internet, está convencido de que mudou ideias equivocadas pelo progresso. “Creio que a razão pela qual não me questionam é porque não só defendo a permacultura como a pratico”, enfatizou. Envolverde/IPS
(IPS)