Voo da sobrevivência
Cartaz da campanha de preservação de abelhas.
Alguns números são tão eloquentes que deveriam dispensar explicações em torno do problema simbolizado por eles. Isso vale para boas notícias e, principalmente, para sinais de alerta. No quesito sinal de alerta, dizer que a sobrevivência da espécie humana está em risco soa apocalíptico demais. Sem dúvida. No entanto, já está mais do que evidente que algumas práticas produtivas, hábitos de consumo e mesmo posturas no dia a dia poderão nos levar, rapidamente, para um mundo um pouco mais desafiador e que talvez exija muito mais sacrifícios do que gostaríamos de fazer para ter uma qualidade de vida idêntica, ou pior que a atual.
Neste contexto, a obtenção do alimento se torna o ponto número um deste debate. Conseguimos desmoralizar a teoria cataclísmica de Thomas Malthus que pregava que não poderia existir produção de alimentos na quantidade suficiente para saciar todas as bocas existentes na face da Terra. OK. Mas isso está longe de indicar que vivamos em uma espécie de zona de conforto, em relação à segurança alimentar.
Muito pelo contrário.
Hoje, por uma série de motivos, os seres humanos vivem flertando com a escassez. Boa parte das razões para que isto aconteça se deve exatamente à ação do homem. O uso indiscriminado de pesticidas, além da utilização de elementos comprovadamente danosos ao equilíbrio natural das espécies está cobrando seu preço.
Entre as principais vítimas deste processo estão as abelhas. Para muito estes insetos são sinônimos apenas de mel. Este nutriente, considerado um energético natural, é, sem dúvida, importante. Contudo, a principal tarefa das abelhas na natureza é garantir aos demais animais, inclusive os humanos, uma mesa farta.
Ao todo 70% da polinização de todas as colheitas são feitas por abelhas. Elas são responsáveis por uma fatia expressiva da produção de diversas espécies de frutos e de grãos, tais como:
100% das amêndoas
90% das maçãs
48% dos pêssegos
27% das laranjas
16% do algodão
5% da soja
Os dados acima já seriam suficientemente importantes para nos fazer levantar da cadeira e agir. Foi pensando nisso que um grupo de ambientalistas, cientistas e empresários, inclusive do Brasil, lançou a campanha Bee Alert (“alerta das abelhas”, em tradução livre). Por meio da criatividade e de uma dose cavalar de ironia, os idealizadores do projeto tentam chamar a atenção para o problema.
Um deles é o lema Bee or not to be (abelha ou não ser, em tradução livre) que faz um trocadilho com a famosa “to be or not to be”, de Shakespeare, deixando claro que o bem-estar da humanidade depende deste inseto.
Contudo, mais que chamar a atenção, eles procuram saídas. A partir da constatação de que faltam abelhas em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, apicultores vêm apostando em uma nova forma de renda: o aluguel de colmeias.
Essa atividade já é mais lucrativa que a própria produção de mel, em uma comprovação de que preservar também pode ser uma alternativa para geração de renda e desenvolvimento de empresas e até de comunidades inteiras. Um dos autores de estudos nesta linha é o economista indiano Pavan Sukhdev, cuja festejada palestra (com opção de legendas em português), de 2011, lançou luzes sobre o problema. “Se a Mãe Natureza emitisse faturas cobrando pelos serviços ambientais que usamos, a Humanidade teria de desembolsar trilhões de dólares anualmente apenas para pagar estas contas”, disse o economista.
No caso das abelhas, apenas o trabalho de polinização é estimado em US$ 190 bilhões por ano. Para ter uma ideia de quanto essa bolada representa, basta lembrar que ela significa metade de todas as riquezas geradas por países como Argentina ou Colômbia. E olha que estamos falando do impacto econômico de apenas um inseto.
Você já pensou nisso?
Em entrevista a 1 Papo Reto, um dos idealizadores da campanha “Bee alert”, Daniel Malusá Gonçalves (na foto abaixo), diretor-geral da 6P Marketing e Propaganda, dá mais detalhes sobre o trabalho. A tarefa de conscientizar os brasileiros, quer sejam empresários, políticos, ou trabalhadores e estudantes, é feita com o apoio de pesquisadores da Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura (Cetapis), do Rio Grande do Norte. O pontapé dessa iniciativa, em termos globais, foi dado em outubro de 2013, durante o Congresso Internacional da Apimondia, em Kiev, capital da Ucrânia.
Já existe um diagnóstico sobre o problema da “mortandade” de abelhas no Brasil?
O problema da morte das abelhas ainda é um tema sem consenso entre os pesquisadores, no Brasil e no mundo. Acreditamos muito na interdependência ABELHAdos fatores, que causam um efeito sinérgico. Mas, particularmente, temos notado um efeito muito extensivo da ação dos pesticidas sobre as abelhas, provavelmente por ser o Brasil o maior consumidor deste tipo de produto, no mundo, e esta deve ser, sim, uma causa central. Mas temos também a indicação em alguns locais dos efeitos de ácaros (varroa), de problemas climáticos (como as secas no Nordeste) e de desnutrição.
Na Europa, descobriu-se que alguns inseticidas eram culpados pela mortandade de insetos. Inclusive a vendas destes produtos foi suspensa, no início do ano. Vocês defendem esse tipo de ação também no Brasil?
Sabemos que a produtividade no campo depende do uso de defensivos para o combate a inúmeras pragas. Este é um ganho produtivo que precisa ser observado, mas não às custas do efeito secundário da morte de abelhas. Defendemos o desenvolvimento e o uso de recursos de combate a pragas que não sejam nocivos às abelhas: e isto pode ser feito tanto através do desenvolvimento de pesticidas não-nocivos às abelhas, por práticas de aplicação corretas, ou pelo uso do controle biológico de pragas. A Europa adotou uma política que consideramos correta, que é banir preventivamente o uso dos defensivos neonicotinóides, sistêmicos, apontados como principal elemento causador do fenômeno do CCD. Consideramos absolutamente positiva esta postura preventiva.
Quando falamos em serviços ecossistêmicos, lançamos mão de estudos e pesquisas do PNUD e de alguns cientistas, como o indiano Pavan Sukhdev, que fala em US$ 190 bilhões garantidos pela polinização feita pelas abelhas. Qual o número no Brasil?
Não dispomos desta estatística precisa. Mas existem literaturas que atribuem aos serviços da polinização 10% do valor do PIB agrícola.
Como a tecnologia pode ajudar na tarefa de proteção dos polinizadores naturais, como as abelhas?
O projeto do Bee Alert é uma iniciativa única e um exemplo de uso da tecnologia para a proteção das abelhas. Uma plataforma on line, colaborativa (crowdsourcing), de grande importância para reunirmos dados em torno do problema das perdas de abelhas, por geolocalização, identificando suas causas. No mundo todo muitas pesquisas estão sendo feitas, e destacamos ainda o uso de microchips posicionados no dorso das abelhas, para acompanhar seu comportamento de forrageamento, apontando os trajetos e os locais visitados por elas, na colheita do pólen e néctar. É também um belo estudo que pode indicar o que está acontecendo com as abelhas no campo.
Por que a 6P e a Cetapis aderiram a essa campanha global?
A vivência prática de mais de 50 anos em pesquisas, projetos, congressos nacionais e internacionais, orientações de teses e projetos acadêmicos, proximidade com o produtor, além do olhar apurado para o problema do desaparecimento das abelhas, fizeram com que o Prof. Lionel Segui Gonçalves, da Cetapis, identificasse a necessidade urgente de criar uma ampla campanha de proteção às abelhas, que objetivasse mostrar o seu papel relevante para o meio ambiente e o homem.
* Publicado originalmente no site Papo Reto.
(Papo Reto)